Ser feliz é a meta de todo ser humano. Quem de nós parece buscar outra coisa? Ao nascermos, tal procura já se torna clara, cada bebê anseia saciar suas vontades. Quando crescemos nada aparenta mudar.
Mas, Jesus Cristo, Rei do Universo, veio nos ensinar a sermos como é da vontade do Pai. Sendo Rei, nasceu pobrezinho num estábulo em Belém; sendo Fortaleza se fez uma frágil criança indefesa; sendo Sabedoria deixou-Se ser ensinado por Sua Doce Mãe; sendo Grande se fez pequenino.
Olhar verdadeiramente para Aquele que é o Amor, faz com que nos envolvamos em Seus mistérios. Ele dormia ao relento sob estrelas, comia daquilo que lhe davam, não tinha onde repousar Sua cabeça e, ao morrer, foi depositado numa sepultura alheia. Desejamos seguir Seus passos? Essa foi a proposta que o Senhor fez ao jovem rico (cf. Mt 19, 16-30), o qual não aceitou. Quase 1200 anos depois, Jesus fez essa mesma proposta a Francisco de Assis, um outro jovem rico que deixa tudo para seguir o Mestre.
O Filho de Maria foi faminto, sedento, estrangeiro, nu, doente, preso (cf. Mt 25, 35-45), e continua a ser em cada pobre que sofre. E a pergunta que não quer calar é essa: Com quem o Cristo Sofredor escondido nos mais desfavorecidos poderá contar? “Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (cf. Js 24, 15) na figura dos pobres. A servidão é muito mais que alguns atos esporádicos, ela deve ser uma experiência contínua de amor, onde saímos de nós mesmos em direção ao próximo. E nesse movimento que violenta nosso infeliz comodismo inerte, descobrimos a beleza insondável de estarmos sempre na Presença Dele que sempre nos espera naqueles que são tão carentes.
Então se revela a vontade de Deus: que sejamos um e tenhamos Vida em abundância, sem distinção de origem social, raça, cor, sexo, nacionalidade, opinião política ou de quaisquer outros modos de diferenciação. Amar incondicionalmente é o tratamento mais digno e puro que podemos ofertar ao nosso próximo e assim poderemos experimentar a tal Felicidade, colocando a mão na massa na construção do Reino de Deus.
Assim sendo, desde o início do casamento eu e Cristiane, minha esposa, lutamos para que de algum modo pudéssemos servir ao Senhor nos pobres e criar em nossos dois filhos essa alegria em ir ao encontro dos mais carentes e lhes oferecer o pão material e o pão espiritual. O que fizemos? Juntamente com um jovem casal que eram nossos vizinhos na época, passamos a levar alimentos, brinquedos e outras coisas que lhes eram urgentes.
Logo surgiu um sentimento novo dentro de nós: pessoas que nem conhecíamos passaram a ser tão importantes e a nos fazer tanto bem. Pensávamos que iríamos ajudá-las e, na realidade, eram elas que estavam nos preenchendo de amor, de alegria e de paz. Senhoras de idade avançada, jovens gestantes, crianças desnutridas, algumas até abusadas, rapazes e moças sem esperança, que realidade se apresentou diante de nós. Eram “como ovelhas sem pastor” (cf. Mt 9, 36) e isso gritava em nossos corações. Quantas vezes nos sentíamos imensamente pequenos diante de tantas situações de abandono, desespero por parte deles. Mas, como resposta, o Senhor sempre nos fortalecia, enxugava nossas lágrimas e nos fazia continuar.
Para nossos filhos o dia que antecedia nossa ida até nossos amados pobrezinhos era uma festa. Comprávamos pipocas, pirulitos, balas e brinquedinhos e eles colocavam tudo dentro de umas bolsinhas transparentes. Era tudo cuidadosamente separado, nossa filha Millena fazia as das meninas e nosso filho Fabian as dos meninos. Como eles amavam fazer isso... Sentiam que aquilo levaria o sorriso aos rostos daquelas crianças. Já na manhã do domingo (dia que levávamos), era momento de preparar os alimentos com todo carinho e zelo. Chegava finalmente a hora de irmos.
Possuíamos uma velha caminhonete e ela era a nossa sorte. Eu estacionava o carro numa posição estratégica e logo começava aquela feliz gritaria no local. As mulheres em especial chamavam todos, anunciando: “eles chegaram”. Logo surgiam crianças, dezenas delas... As acolhíamos e as colocávamos em fila num dos lados da caminhonete onde nossos filhos, radiantes de alegria, já estavam a postos para distribuírem aquilo que tinham preparado com tanto amor.
Como os pequeninos pulavam de felicidade... Como tão pouco podia proporcionar tamanha satisfação... E eles estavam ali a nos ensinar que “o essencial é invisível aos olhos” (livro “O Pequeno Príncipe”). Imediatamente chegavam também muitas mulheres e alguns homens, se organizavam em fila conforme orientávamos e começávamos a distribuir a refeição.
Para muitos seria a única do dia e nossa alma doía, pois sabíamos disso.
Tudo isso durou bastante tempo, porém, com o passar do tempo e com o desestímulo de nossos vizinhos e depois do nosso próprio, passamos a ir menos e depois a não mais ir. Como me arrependo disso... Quantas almas não mais alegramos, quantas bocas famintas não mais alimentamos?
Muitos anos se passaram até que um dia, uma visão me fez quase desfalecer de felicidade. Era Pentecostes e, num retiro, avistei umas mocinhas vestidas de marrom. Como os olhos delas brilhavam, como os seus sorrisos iluminavam tudo ao redor. Logo quis conhecer essa comunidade e fui me apresentar. Foi amor à primeira vista: Fraternidade Missionária O Caminho.
Minha busca de uma vida inteira parecia ter chegado ao fim. Apesar de uma existência sempre voltada ao Senhor em Pastorais, Movimentos e Serviços da Santa Mãe Igreja, eu sempre me sentia em preparação para algo que não sabia o que seria. Finalmente minha alma sentiu ter chegado onde o Amado Deus desejava.
Tudo era novo e fascinante. A simplicidade, o servir, o amar e o rezar. Logo quis desesperadamente aquilo para mim e para minha família. Fui o primeiro a frequentar a cada das religiosas. Depois vieram meus filhos e, posteriormente, minha esposa. Elas nos apresentaram Jesus dum modo tão novo e tão antigo ao mesmo tempo: o Cristo Sofredor e sedento do nosso amor. Nosso passado voltou à tona, o Senhor nos chamava com toda a força a vivermos novamente e profundamente nossa vocação.
“Jesus todo, todo de Jesus”, esse Carisma transcende tudo o que existe. É um chamado à santidade, a uma vida dedicada a amar, com todas as consequências que isso representa.
Logo fomos à Pastoral de Rua. Que choque de realidade... Aqueles pobrezinhos que um dia deixamos para trás se multiplicaram, estavam aos montes, centenas deles. Nas ruas, embaixo de marquises de prédios, ao relento. Famintos, sedentos, drogados, prostituídos, esquecidos, marginalizados. Meu Deus, o que nós fizemos com eles? Fizemos das ruas depósitos humanos, como se fossem “lixos”... Que dor...
Eu não tinha noção da crueldade dessa realidade que sempre esteve ali diante de meus olhos. Mas, logo nossas religiosas nos ensinaram a levarmos para eles o que temos de mais valioso: nós mesmos, o nosso mais sincero e incondicional amor. E um novo mundo se abriu diante de nós, tocávamos em Jesus e éramos tocados por Ele a todo instante. O Reino de Deus se fazia presente, passou a ser a nossa realidade diária.
Saímos do nosso “pequeno mundo” e nos abrimos à Vida. Éramos os primeiros juntamente com alguns poucos outros, mas logo o Senhor da Messe enviou mais operários. Nossa Missão Aracaju cresceu e floresceu. Mais e mais iam chegando e nós fazíamos comunidade.
Rezávamos, cantávamos, sorríamos, comíamos e servíamos com tanto ardor. O Espírito Santo nos impulsionava sempre mais. Hoje somos muitos: freis e irmãs, leigos e jovens, acolhidos, amigos da Obra e benfeitores. Somos o sonho de Deus: servos. E assim ouvimos sempre e buscamos fazer o que Jesus nos repete: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (cf. Lc 9, 13).
Como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica no parágrafo 1822: “A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas, por si mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor a Deus”.
Alex Batalha
Leigo Associado - Aracaju/SE
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