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O Silêncio da Esperança


“Eles tomaram, então, o corpo de Jesus e o envolveram em panos de linho com os aromas, como os judeus costumam sepultar. Havia um jardim no lugar onde ele fora crucificado e, no jardim, um sepulcro novo, no qual ninguém ainda fora colocado. Ali, então, por causa da Preparação dos judeus e porque o sepulcro estava perto, eles depositaram Jesus.”(Jo 19,40-42)

O Sábado Santo é o dia da solidão. Jesus está ausente. Deus dorme no sepulcro. É o que podemos chamar de “a solidão dos vivos”. Cristo está ausente. Os apóstolos, cheios de medo, estão dispersos e escondidos. Maria Madalena e as outras mulheres sofrem a dor da partida do Mestre, aquele que outrora dissera: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Agora, Ele dorme.

O que reina na comunidade cristã é um clima de tristeza, carregado de morte. Um dia esvaziado, que parece não ter fim. A esperança deles parece ter morrido com Jesus. Ele, que era a esperança do seu povo, foi rejeitado pelos seus. Hoje, o Cristo descansa no sepulcro. É o sétimo dia — o dia do descanso de Deus: “Deus concluiu no sétimo dia a obra que fizera, e no sétimo dia descansou, depois de toda a obra que fizera” (Gn 2,2). O Senhor repousa no sepulcro.

É o dia do grande vazio — o vazio da morte. No entanto, esse vazio não é sem sentido. É preciso recordar as palavras de Nosso Senhor: “Em verdade, em verdade, vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24). Sua morte é sinal de vida. E não apenas para nós, mas também para aqueles que dormem o sono da morte. É para Adão e Eva que Ele desce. São eles os primeiros a experimentar esse silêncio em que vive a terra: o silêncio da Esperança. Deus vai às profundezas. O novo Adão vai ao encontro do velho Adão. É o próprio Deus, com seu Unigênito, que busca a ovelha desgarrada, que se perdera, mas agora foi encontrada. Foi liberta da escravidão da morte, foi levada com Cristo.

Que grande mistério! Que dom extraordinário! Deus desce — mas não como um juiz implacável com a foice da justiça, e sim como um Pastor que traz o cajado da misericórdia: a Santa Cruz.

Em uma antiga homilia do grande Sábado Santo, o autor sagrado nos diz:

“O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: ‘O meu Senhor está no meio de nós!’ E Cristo respondeu a Adão: ‘E com teu espírito.’ E, tomando-o pela mão, disse: ‘Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará.’”

Neste dia, embora envoltos no luto, somos chamados à contemplação. E, no silêncio, à esperança que ilumina. O novo Adão vai à região sombria e solitária da morte para trazer luz àqueles que jazem nas trevas. Ele é o grão de trigo que, ao morrer, germina a vida eterna para os que aguardavam o dia da libertação. Este é o dia em que a Santíssima Virgem expressa, com serenidade, uma dor carregada de esperança. Junto ao discípulo amado, permanece em casa. Agora, a casa de Maria é a casa de João, pois antes de morrer, Nosso Senhor lhe confiou a Mãe: “Depois disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe!’ E, a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,27). Maria espera, pois é a Mulher da Esperança. Ela contempla, medita. O que medita a Virgem? Certamente, a grandeza do sacrifício do Filho, seu amor generoso e serviçal pela humanidade, segura dos frutos que a Paixão produzirá. A Virgem guarda tudo em seu coração: “Conservabat omnia verba haec in corde suo” (Lc 2,19).

O Sábado Santo, de certo modo, não foi para Maria um dia triste, mas um dia doloroso. Ela é a Virgem das Dores. E embora enlutada, permanece de pé. Agora, aguarda no Silêncio da Esperança a ressurreição tantas vezes anunciada por seu Filho. Maria não é a mulher do desespero, mas da esperança. Junto com ela, somos chamados a viver no Silêncio da Esperança — aquela esperança que ilumina os nossos corações nos Sábados Santos da vida.

Como nos ensina o Papa Francisco:

“Apesar da tristeza que possamos albergar, sentiremos que devemos esperar, porque contigo a cruz floresce em ressurreição, porque tu estás conosco na escuridão de nossas noites, és certeza em nossas incertezas, palavras em nossos silêncios e nada poderá roubar jamais o amor que nos tens.”

(Homilia do Papa Francisco, 11 de abril de 2020)

É preciso crer e esperar. A Virgem das Dores nos ensina a olhar além das dores, tribulações e sofrimentos. Ensina-nos a aguardar a feliz Esperança — aquela que não decepciona. Com Maria, apoiemos a nossa fé em Cristo. Embora pareça que dorme, logo despertará e iluminará os nossos corações com a luz da sua Ressurreição. Neste dia de silêncio, Maria é envolvida de amor. Tocada pelo amor ilimitado de Deus, ela aguarda com confiança o amanhecer do terceiro dia — o dia da Ressurreição do Senhor. O dia em que a aurora faz brilhar o triunfo do Amor. O triunfo de um Deus que é amor. É o Silêncio da Esperança que ilumina os nossos medos, fracassos, desilusões, infidelidades, tristezas, amarguras e solidão.

Cristo é a Esperança que desponta após a noite escura da morte. Com Maria, aguardemos no Silêncio da Esperança o raiar do novo dia — o dia em que a Luz vence as trevas, a Vida vence a morte, a tristeza dá lugar à alegria. Porque este é o “dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e exultemos!” (Sl 117/118,24) É também o dia da renovação — o dia em que todas as coisas são feitas novas. O silêncio desse dia se finda na alegria da vida que germina, da noite que anuncia a aurora. Um novo dia que jamais terá fim.

Por isso, desçamos com Jesus ao túmulo — ao túmulo do nosso interior. Visitemos os lugares que ainda não fomos, os recantos da alma carregados de tristeza, angústia, indiferença e marcados pela incapacidade de rezar e amar. Expulsemos de nossos corações os vícios que nos prendem à terra e nos impedem de ressuscitar com Jesus.

Que neste dia sejamos envolvidos pelo Silêncio da Esperança — a esperança da Virgem Maria, de João, de Maria Madalena — que no amor e na fidelidade esperam o glorioso dia da Ressurreição.

Recordemos: só um coração desprendido deste mundo passageiro pode vislumbrar o mundo vindouro.

Ao final deste dia, corramos com Maria Madalena ao caminho do sepulcro: “Véspera do sábado, foi Maria Madalena com a outra Maria visitar o sepulcro” (Mt 28,1). Ainda que esteja escuro, ainda que a noite paire, o Silêncio da Esperança ilumina a nossa vida, nossa alma e nossa caminhada. E então, poderemos com Maria Madalena dizer: “Eu vi o Senhor.”

A visão de Maria não é apenas uma visão física, mas a visão da fé — a fé dos que são iluminados pela graça. O ver de Maria passa pela experiência com o Ressuscitado. Sejamos nós também iluminados pela graça. Com Maria, abramos o nosso coração, para que a esperança da Ressurreição ilumine a nossa vida.

Neste dia de silêncio, aguardemos com a Virgem Maria, o apóstolo João, Maria Madalena e as santas mulheres a feliz Ressurreição do Senhor. Que a Virgem Santíssima nos ajude a perseverar na oração, na fé e na esperança que não decepciona. Frei Antônio da Paixão de Cristo, pjc.


 
 
 

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