Quem somos diante de Jesus?
- BLOG O CAMINHO
- 14 de abr.
- 6 min de leitura
O Mistério que estamos vivendo é o ápice da nossa fé. A Semana Santa nos aponta para as realidades celestes. Acompanhar Jesus em sua trajetória rumo à Páscoa deve ser, para nós, a opção fundamental, pois exige radicalidade e firmeza em nossas decisões — mesmo que isso nos custe a própria vida:
“Se alguém quiser vir em meu seguimento, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa, salvá-la-á.” (Mt 16,24-25). Na matemática de Jesus, perder é ganhar; e quem não estiver disposto a perder, não é digno de seguir o Mestre, tampouco de ser herdeiro da vida. Assim, a vida perdida em Cristo é salvação.
Sigamos, portanto, a Nosso Senhor em sua Paixão, Morte e Ressurreição.
Ao longo desta semana, que tem seu ápice na Páscoa, a Liturgia — em todas as suas celebrações — quer nos fazer reviver os acontecimentos de nossa salvação, cuja centralidade está na Morte e Ressurreição de Jesus. No entanto, antes de celebrar a vitória da Ressurreição e haurir os frutos de sua entrega na cruz, a Igreja nos convida a seguir, passo a passo, o doloroso caminho que Ele percorreu.
O Evangelho de hoje nos chama a meditar profundamente sobre quem somos diante de Jesus, levando-nos à consciência da nossa primeira opção: aquela que recebemos quando Ele nos elegeu e nos designou para o Seu serviço, sobretudo para estar com Ele. O Evangelho nos apresenta três figuras: Pedro, Judas e o discípulo amado. Diante delas, o Senhor nos convida a examinar a consciência e nos despir diante d’Ele, que deseja a verdade do nosso coração. O texto apresenta, mais uma vez, o encontro de Jesus com seus apóstolos durante um jantar íntimo. Apenas o Mestre e aqueles que Ele havia escolhido para Si. Era a preparação para a sua glorificação — sua morte e ressurreição.
O Evangelho evidencia três personagens, três atitudes e o canto de um galo por três vezes. O evangelista nos apresenta, com delicadeza, os detalhes dessa ceia e a postura de seus protagonistas: amar, negar, trair.
Jesus acabara de lavar os pés de seus discípulos e os havia instruído a fazer o mesmo. Após se ajoelhar com o avental para este gesto de amor, Ele se volta a eles com uma revelação: a traição iminente. “Eu vos asseguro que um de vós me entregará.” O anúncio da traição surge em uma cena dramática que contrapõe os três discípulos: o traidor, Judas; o que nega, Pedro; e o discípulo amado, João. No centro, está Jesus, tomado de angústia e tristeza. Ele sente a perturbação, se estremece por dentro. Sente a presença do ódio satânico. Judas havia dado lugar ao demônio. Participa da Ceia Pascal — a ceia preparada por Jesus com ternura, pois era a Nova Aliança selada com a humanidade — mas já está ausente em espírito. Participa do ritual, mas seu coração está longe. Já havia vendido sua alma, pois ao vender o Senhor como um escravo, condenou a si mesmo. Agora, outras ambições dominam sua atenção.
Quantas vezes também somos assim diante do Mistério Eucarístico! Estamos presentes fisicamente, mas a alma, o coração, a mente estão distantes.
Por isso Paulo adverte: “Todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será réu do Corpo e do Sangue do Senhor.” (1Cor 11,27).
Quem recebe o Corpo do Senhor sem estar unido a Ele no amor, se condena, colocando-se entre os que crucificaram o Senhor.
Judas senta-se à mesa com Jesus, mas seu coração já havia planejado o mal.
O apóstolo Paulo continua:
“Pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação.” (1Cor 11,29).
Judas comunga — não o Corpo de Cristo, mas a sua condenação. O evangelista é claro: quando Jesus entrega o pão a Judas, Satanás entra nele. Antes o havia apenas sugerido. É assim que o inimigo age: conhece nossas fraquezas, nossos medos, nossas angústias. Fica à espreita, esperando o tempo oportuno:
“Tendo acabado toda a tentação, o diabo o deixou até o tempo oportuno.” (Lc 4,13).
Como disse Deus a Caim:
“Se não estás bem disposto, o pecado jaz à porta, como um animal à espreita; serás capaz de dominá-lo?” (Gn 4,7). Judas já está perdido. Imerso na tristeza, caminha rumo à decepção, à solidão, à morte. Abandona sua comunidade, trai seu ideal, seu Mestre. Fechou-se em sua amargura e orgulho. Agora é incapaz de voltar, pois já não está na verdade. Está vendido a outros poderes, outras ambições, outros amores.
Não quer um Messias pobre, humilde e manso, mas um libertador político.
Não aceita um Rei que prega um Reino incompatível com a violência e a injustiça.
Judas se frustra, se decepciona e trai.
Abandona os “falsos amigos” porque sua vida perdeu o sentido. A promessa do mundo lhe parece mais atraente. Seu coração se deleita no passageiro, nas criaturas, e não no Criador. A tradição da Igreja nos ensina que a traição é filha da avareza — e esta cega o coração e mata a alma. Judas quis tesouros aqui, esquecendo-se das palavras do Senhor:
“Não ajunteis tesouros na terra… Mas ajuntai para vós tesouros no Céu… Pois onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” (Mt 6,19-21). Outro detalhe importante: o evangelista menciona que “era noite”. Judas se perde nas trevas. A noite da traição é símbolo das trevas espirituais:
“Somente sobre eles se estendia uma pesada noite, imagem das trevas que os deviam receber.” (Sb 17,21a). Judas abandonou o Sol que não tem ocaso e mergulhou na escuridão.
Após o anúncio da traição, os discípulos se inquietam. Pedro faz sinal ao discípulo amado — identificado pela tradição como João — para que pergunte quem é o traidor. João está reclinado no peito de Jesus, numa posição de intimidade, como quem ausculta o coração do Mestre.
O homem e a mulher de Deus precisam ser íntimos do Senhor.
João foi até o fim porque cultivou essa intimidade. Gastou tempo na vida espiritual. Seu coração estava no Coração de Jesus. João é símbolo dos fiéis que permanecem com Jesus até as últimas consequências. Ele não se acovardou, não temeu a cruz. Com Jesus, abraçou-a.
Pedro aparece em quase todos os episódios da vida de Jesus. Do chamado no lago de Genesaré à prisão do Senhor, parece ser o mais forte — mas revela-se o mais frágil e inconstante. Mesmo assim, Jesus acredita nele. Pedro nega, por medo de ser preso. Sua negação revela a debilidade humana, mas também a possibilidade de recomeçar.
Os santos são assim: caem, mas se levantam. Não se deixam vencer pelo desespero. A negação de Pedro é muitas vezes a nossa. Prometemos fidelidade, mas sucumbimos às tentações. Queremos ir com Jesus até o fim, mas paramos nos limites, nos fracassos. Pedro é sincero em seu amor, mas seu coração ainda é frágil. Diferente de Judas, Pedro não se entrega ao desespero. Jesus sabia que ele negaria, mas também sabia que o dia viria em que Pedro já não temeria a morte — e confirmaria seu amor com o “Tu me amas?”.
No mistério deste dia, somos convidados a entrar nos sentimentos de Jesus. Ele percebe a presença do traidor à mesa, alguém que comunga da refeição mas já O traiu no coração. Jesus guarda o silêncio, confiando no Pai. Sabe que não será abandonado, mesmo sendo traído pelos seus.
Quem somos diante de Jesus?
Como quero viver esta Páscoa?
Como Pedro, que mesmo negando, se arrependeu?
Como Judas, que se perdeu e traiu o Senhor?
Ou como João, que amou e permaneceu fiel até o fim?
Só o amor é capaz de nos fazer permanecer até o fim.
Assim foi Jesus:
“Tendo amado os seus, amou-os até o extremo!” (Jo 13,1).
Finalizo esta meditação com uma reflexão do nosso pai e fundador para este dia:
“Ao perceber que sua morte se aproximava e que Judas persistia na sua obstinação, Jesus entristeceu-se ainda mais e, cheio de angústia, disse: ‘Em verdade, em verdade vos digo: um de vós há de me trair.’ (Jo 13,21). Judas continuou seu perverso propósito mesmo depois de Jesus ter dito que sabia quem era o traidor.
Quantas vezes o Senhor também não nos envia lampejos de sua misericórdia para que retornemos a Ele, e mesmo assim continuamos com nossa vontade obscurecida e com o coração insensível aos seus apelos?
Judas fingiu que não era com ele e continuou agindo normalmente entre os discípulos. Chegou até a comer no mesmo prato que Jesus. Assim fazemos muitas vezes: fingimos que não é conosco, que não somos nós os chamados ao arrependimento.
Nesta terça-feira, dediquemos um tempo em silêncio para fazermos uma lista dos lampejos de misericórdia que o Senhor tem tido para conosco e que, por nosso endurecimento, não acolhemos. Num segundo momento, façamos um firme propósito de buscar a virtude contrária ao erro que teimamos em cometer. Seria oportuno depois partilhar com o diretor espiritual o fruto desse momento.” — Frei Antônio da Paixão de Cristo, pjc.
Leitura saborosa ao paladar da alma. Um verdadeiro alimento esta meditação.