Com Jesus, subamos a Jerusalém!
- BLOG O CAMINHO
- 13 de abr.
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Domingo de Ramos da Paixão do Senhor
Hoje, com a celebração do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, a Igreja dá início à Semana Santa. Fazemos memória da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém: o Messias esperado, o Rei de Israel, o Filho de Davi, “Aquele que vem, o Rei, em nome do Senhor!”
Para melhor vivência deste mistério, precisamos retomar o caminho trilhado por Jesus ao longo desta Quaresma. Durante este ano, a Igreja nos convida à meditação do Evangelho de São Lucas. O evangelista nos diz nestes termos: “Quando estavam para se cumprir os dias de sua subida, Jesus decidiu firmemente ir para Jerusalém.” (Lc 9,51). A decisão de Jesus de subir para Jerusalém acontece a partir do segundo anúncio da Paixão, relatado em Lucas 9,43b-45, imediatamente após a cura de um menino endemoninhado. É esse o contexto da decisão de Jesus. O evangelista não entra em detalhes deste anúncio, diferente de Mateus e Marcos, em que Jesus dá maiores detalhes do que lhe acontecerá: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e o matarão, e, morto, depois de três dias, ressuscitará.” (Mc 9,31; Mt 17,22-23). Marcos nos diz que Jesus ensinava (διδάσκω) os seus discípulos. Lucas simplesmente nos diz que Jesus chama a atenção dos seus discípulos para o que está para acontecer: “Prestai atenção a estas palavras: o Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens.” (Lc 9,44). O verbo aqui usado por Jesus (θέσθε) está no aoristo do imperativo. Isso significa que Jesus dá aos seus discípulos uma ordem: é como uma norma de conduta que deve ser seguida. Ainda mais, Jesus convida os seus discípulos à escuta e ao acolhimento das suas palavras. Os discípulos devem entender e conhecer aquilo que Jesus lhes fala. A continuação do texto nos apresenta, em Marcos e Lucas, que os discípulos ignoravam o assunto, mas temiam interrogá-lo. Já Mateus nos diz que os discípulos ficaram profundamente entristecidos.
O Caminho de Jesus para Jerusalém
A decisão de Jesus de ir para Jerusalém para viver a sua Paixão está intrinsecamente ligada a dois aspectos essenciais na vida do Mestre: primeiro, cumprir a vontade do Pai — “Eu não vim abolir a Lei, mas dar pleno cumprimento”. O cumprimento desta Lei está no amor incondicional do Filho pelo Pai. Jesus não tem outro desejo senão realizar a missão que o Pai lhe confiou. Aí entra o segundo aspecto: a salvação do gênero humano. E essa salvação passa por sua entrega voluntária nas mãos dos homens: “Ninguém tira a minha vida, eu a entrego livremente”. Deste modo, Jesus é consciente de sua missão, não recua, mas segue o seu caminho decididamente. Mateus e Marcos, em seus evangelhos, dedicam dois capítulos para falar da subida de Jesus para Jerusalém. Já o evangelista São Lucas dedica dez capítulos do seu Evangelho para falar do caminho percorrido por Jesus até a Cidade Santa, Jerusalém. Essa é uma das partes mais originais do Evangelho de Lucas. Não tanto pelos conteúdos que nele se encontram, que em certa medida são comuns e estão presentes em Mateus e Marcos, mas sobretudo pela forma como Lucas os contextualiza: o cenário que o evangelista nos apresenta é o de uma viagem, em que o destino é Jerusalém. E é este caminho que somos chamados a percorrer.
É necessário compreendermos bem que, no Evangelho de Lucas, o caminho trilhado por Jesus para Jerusalém é muito mais do que um caminho geográfico — ele é sobretudo um caminho espiritual. É uma subida espiritual na qual somos chamados a seguir Jesus. É uma viagem longa, realizada sem pressa. Ao longo desta viagem, os discípulos são instruídos pelo Mestre para se tornarem testemunhas do Reino de Deus, mensageiros do Evangelho. À medida que avançam, Jesus aproveita para lhes ensinar, corrigir e admoestar aqueles que o seguem. Ainda que, por algumas vezes, as palavras sejam dirigidas às multidões, são os discípulos — que estão próximos de Jesus — os primeiros destinatários de sua mensagem. A cada etapa do caminho, os discípulos são confrontados por Jesus por conta de suas visões distorcidas e equivocadas sobre o projeto de Deus, seus interesses egoístas que os movem, bem como os valores que os impulsionam e que frequentemente estão em desacordo com o espírito do Reino de Deus. Ao longo deste caminho, os discípulos são conduzidos por Jesus e chamados a um processo de purificação que os configure, cada vez mais, com o projeto de Deus e os valores de seu Reino.
Outro aspecto importante no caminho percorrido por Jesus para Jerusalém são os ensinamentos que Ele vai dando àqueles que dele se aproximam. É neste caminho que Jesus fala das exigências do seguimento, envia os 72 em missão, cura os enfermos, fala-nos do Reino através de parábolas, pronuncia sentenças duras contra os fariseus, é hospedado por Marta e Maria, ensina os seus discípulos a orar, fala das condições do discipulado, visita o publicano Zaqueu... Mas, sobretudo, é neste caminho que Jesus nos revela o rosto de Deus. Por meio das parábolas chamadas de parábolas da misericórdia, Jesus revela a preferência de Deus pelos pobres e marginalizados — aqueles que, para a sociedade da época, eram indignos de Deus: a parábola da ovelha desgarrada, da dracma perdida e do Pai misericordioso. Estas parábolas são a resposta de Jesus ao comentário preconceituoso e escandalizado dos escribas e fariseus: “Este homem acolhe os pecadores e come com eles.” Não dá para chegar em Jerusalém e celebrar com Jesus a sua Páscoa sem antes trilhar com Ele esse caminho — um caminho de decisão, um caminho que nos leva à nossa libertação. Somos chamados por Jesus a subir com Ele para Jerusalém, a sofrer com Ele a Paixão, mas, sobretudo, a ressuscitar com Ele.
A entrada de Jesus em Jerusalém
Antes de adentrarmos no mistério deste domingo, recordemos que ele está intrinsecamente ligado ao mistério da apresentação de Jesus no Templo. O Deus nascido da Virgem é apresentado no Templo quarenta dias após o seu nascimento. É a primeira vez que o Messias, o Filho de Davi, entra na Cidade Santa — a cidade de Davi, a cidade messiânica por excelência. O Messias que se encontra com a sua cidade: Jerusalém acolhe o seu Rei, claro, escondido e oculto na fragilidade de uma criança. Assim, a apresentação do Senhor no Templo se torna uma antecipação do domingo que celebramos: o Domingo de Ramos. Assim como Maria e José saíram de Nazaré para Jerusalém para levar o Menino, hoje é Ele mesmo, Jesus, que se coloca em direção a Jerusalém.
Ao longo desta Quaresma, a Igreja nos ofereceu, por meio da liturgia, um caminho de conversão para se chegar à Páscoa com Jesus — desde a Quarta-feira de Cinzas, onde, por meio da tríplice regra do jejum, da oração e da esmola (caridade), até o Domingo de Ramos, iniciamos a nossa Semana Santa, na qual somos chamados por Jesus a viver com plenitude este tempo, para assim poder chegar com Ele à Ressurreição.
Na liturgia deste domingo, a Igreja nos convida a celebrar um duplo mistério: de um lado, a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém para viver a sua Páscoa, ou seja, a sua passagem para o Pai; por outro lado, o mistério da sua Paixão, Morte e Sepultura. Eis o grande mistério ao qual somos chamados a adentrar. Mas, afinal, o que significa esta entrada solene de Jesus em Jerusalém? Por que a celebração deste domingo está envolta em um mistério de dor e, ao mesmo tempo, de alegria? Para compreendermos este mistério, é preciso compreender o caminho traçado por Jesus e que Ele nos propõe logo no início do Evangelho: “Jesus ia adiante, subindo para Jerusalém.” Aqui está também o nosso chamado: o seguimento. Somos chamados a percorrer o caminho de Jesus — um caminho justo e reto, um caminho que nos leva a subir para as alturas, a mirar o que está por vir: a cruz. Na cruz, somos levados para Deus. É esta a grande subida que Ele nos convida a fazer. No entanto, esta subida só é possível para quem perde a si mesmo. Jesus tudo colocou nas mãos do Pai, e agora Ele caminha em direção à sua Páscoa como um cordeiro mudo ao matadouro.
Jesus agora se encontra nas proximidades de Jerusalém — para ser mais exato, a aproximadamente três quilômetros. Para compreendermos todos os aspectos deste domingo, é preciso retomar as profecias. O profeta Zacarias profetiza a respeito de um rei que vai chegar em Jerusalém montado em um jumentinho: “Enche-te de grande júbilo, filha de Sião, prorrompe em gritos, filhas de Jerusalém! Eis que teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde e montado em um jumento, sobre um jumentinho, filho de jumenta.” (Zc 9,9). Segundo a tradição oriental, o jumento é um animal de paz — diferente do cavalo, que seria um animal de guerra. De acordo com esta tradição, quando um rei chegava montado em um cavalo, ele desejava a guerra. Quando chegava em um jumento, buscava a paz. Assim, a entrada de Jesus em Jerusalém é a entrada do Príncipe da Paz (Is 9,6-7). Na história de Israel, podemos observar que o herdeiro de Davi vai para ser coroado cavalgando em um jumento (1Rs 1,32-40). Assim, Jesus é o legítimo herdeiro de Davi. Outro aspecto do Evangelho deste domingo é o povo que, ao ver Jesus, joga as suas vestes — gesto próprio para receber um rei. Quando Deus envia o profeta Eliseu para a casa de Josafá e pede que Jeú seja ungido rei sobre o povo de Israel, o povo imediatamente deita os seus mantos para que Jeú possa passar. Todos os elementos desse evangelho nos apontam para apresentar Jesus como o Messias, o Filho de Davi. Os símbolos que aparecem nos sinóticos e no Evangelho de João revelam que a multidão conferiu a Jesus esta honra. No Evangelho de João, especificamente, há menção a ramos de palmeira. Na tradição judaica, estes símbolos eram de triunfo e vitória, como vemos em Levítico 23,40 e Apocalipse 7,9.
Quando Jesus entra na cidade e é acolhido pelo povo que estende os seus mantos e agita os seus ramos, o povo aclama: “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor!” Esta palavra tem sua origem no hebraico e significa “Salva-nos!”. O povo reconhecia Jesus como Salvador, Aquele que poderia libertá-los, dando às suas vidas um novo sentido. No entanto, a liturgia não termina aqui. Após a entrada solene de Jesus, ainda durante a mesma celebração, ouvimos a leitura do relato da Paixão de Cristo. Aqui, nos parece sermos questionados: “Agora que acolhemos Jesus como Rei, estamos prontos, preparados para segui-Lo até a cruz? Estamos dispostos a ir com Ele para as alturas?” Pois o caminho do Senhor não termina com a sua entrada solene em Jerusalém. No relato de sua Paixão, o evangelista São Lucas nos convida a sermos testemunhas dos seus sofrimentos, de suas angústias e de sua dolorosa agonia no Monte das Oliveiras. O evangelista ainda nos convida a olhar para o amor misericordioso do Pai, que se manifesta na voz do Filho — que não pede vingança, mas, com amor, suplica ao Pai que perdoe aqueles que agem por ignorância (Lc 23,34). Jesus se coloca diante do Pai como intercessor: “Filhinhos, temos um defensor junto do Pai: Jesus Cristo, o Justo.” (1Jo 2,1). Ele é aquele que lembra do pecador e lhe promete o paraíso: “Em verdade vos digo, hoje estarás comigo no paraíso.” (Lc 23,43).
O Domingo de Ramos quer nos levar ao mistério sacrificial de Cristo, ele nos prepara para viver intensamente os dias santos que se aproximam, nos quer levar até a Páscoa, quer nos levar até a Ressurreição. Assim, somos chamados a ter uma atitude diante da Paixão de Cristo: adotamos a postura de Cireneu, que se junta a Jesus, ombro a ombro, para compartilhar o peso da Cruz; seguimos o exemplo das mulheres que choram, do centurião que mostra arrependimento, e de Maria que permanece em silêncio ao pé da Cruz; ou nos identificamos com a atitude de Judas, de Pedro, de Pilatos e daqueles que observam à distância, aguardando para ver como aquele episódio irá se desenrolar.
Frei Antônio da Paixão de Cristo, pjc.
Maravilhosa reflexão, profunda e sábia.